O presente artigo foi desenvolvido
a partir das discussões realizadas na disciplina de Direito Urbanístico do
programa de Pós-Graduação Stritu Sensu em Direito Público da PUC/MG, por mim
cursada isoladamente. O tema abordado é o Plano Habitacional de Interesse
Social, um instrumento do Governo Federal
que possibilita aos Municipios
desenvolverem um diagnóstico de seu setor habitacional, bem como ter acesso aos
recursos provenientes do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.
O processo de
urbanização pelo qual o Brasil passou a partir da década de setenta foi um dos
responsáveis pela realidade urbanística que hoje se apresenta. Os massivos
investimentos em obras de infraestrutura expulsaram os pobres para as
periferias. Devido à sua velocidade e o
aumento populacional dele decorrente, a unidade habitacional tornou-se produto
de extrema valia, o que acabou por marginalizar imensa camada da população.
Os massivos
investimentos em obras de infraestrutura expulsaram os pobres para as
periferias
Excluídos do
solo urbano legalizado, foram obrigados a procurar uma forma alternativa de
exercer seu direito de moradia, de onde surgiram os aglomerados, periferias,
cortiços, entre outros. No dizer de SILVA (2008,p. 23) houve uma articulação
contrária entre norma e infração no espaço da metrópole brasileira o que gerou a produção de cidades à margem do
direito e da ordem urbanística.
O mercado
imobiliário centra suas energias em fornecer moradia para quem garante sua alta margem de lucro, o que
inviabiliza a aquisição de unidades
habitacionais pelas classes menos favorecidas. Essa lógica capitalista vem
sendo exercida ao longo do processo de urbanização, sendo visível a ocupação,
cada vez mais intensa, nas áreas de risco. Para FERNANDES (2006,p.310) “há
muito o processo de desenvolvimento urbano informal não é a exceção, mas sim a
regra de produção social do espaço urbano no Brasil”
Por força da
necessidade o cidadão vê-se obrigado a utilizar a clandestinidade e se abrigar
em locais, muitas vezes, ambientalmente vulneráveis e sem a infraestrutura básica
para uma sadia qualidade de vida. Essa situação não repercute somente na camada populacional situada na
ilegalidade, pelo contrário, essa desorganização sócio espacial traz consequências que se expandem e atingem
a cidade como um todo.
O processo constituinte
que culminou na Carta Magna de 1988
destinou um capítulo especifico a
Política Urbana com o objetivo de assegurar a todos cidades sustentáveis. Não
obstante, faltava ainda legislação que complementasse referido assunto e lhe tornasse efetivo, de forma que foi
promulgada a Lei n. 12.257/2001( Estatuto da Cidade).
O objetivo da
referida legislação é regulamentar a política urbana e assegurar o cumprimento
das diretrizes traçadas nos artigos 182 e 183 da CF/88. No inciso III do 2º
artigo do Estatuto da Cidade tem-se como um dos meios de ordenar o pleno
desenvolvimento das cidades, a seguinte diretriz: “planejamento do
desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência,
de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos
negativos sobre o meio ambiente;”
Na década de 80
as discussões entorno da Regularização Fundiária eram no sentido de urbanizar e
titularizar os ocupantes de áreas indevidas. A prioridade era conceder título
de propriedade ainda que a área não fosse capaz de assegurar a infraestrutura necessária à sobrevivência.
Por
regularização fundiária entende-se a intervenção pública nos aspectos jurídico,
físico e social com o objetivo de
legalizar a permanência de populações que residem em áreas impróprias para fins
de moradia.
Após a CF/88
novos aspectos referentes à regularização fundiária foram colocados em pauta,
sobretudo com a noção de função social da propriedade. Neste contexto, dar
segurança à posse ganhou um novo estímulo. Nas palavras de OSÓRIO (2006,p.35) a
segurança da posse é um ponto central do
direito à moradia e deve ser assegurada a todos.
O desarranjo
social tem alargado em grande escala os problemas habitacionais, seja pela
falta de acesso a propriedade, pela ausência de infraestrutura adequada ou
ainda pela permanência em áreas de risco. De sorte que, o tema regularização
fundiária, é pontual, necessário e oportuno.
Mediante a
crescente desigualdade de acesso ao espaço urbano faz-se imperiosa a
interferência do poder público através de políticas urbanas capazes de criar
alternativas legais de inclusão sócio espacial aos cidadãos.
Em 2003 o
Ministério das Cidades colocou em pauta a discussão sobre as bases de uma
eficaz Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária a qual tinha como
de um de seus pressupostos o reconhecimento do direito à moradia e à segurança
da posse como direitos humanos fundamentais.(FERNANDES, 2006, p.316)
Uma das competências
atribuídas à União no Estatuto da Cidade é a promoção, em conjunto com os
demais entes, de programas de construção de moradia, sendo dever dos Municípios
cuidar do “planejamento das cidades, da distribuição espacial da população sob
sua área de influência de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente”. (Estatuto da Cidade,
artigo 2º, inc. IV)
Em um modelo de
federalismo cooperativo que integra União, Estados e Municípios o governo
federal criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social através da
lei n. 11.124/2005 no intuito de centralizar projetos ligados a área de
habitação de interesse social.
O principal
objetivo é viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra
urbanizada e à habitação digna e sustentável. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008,
p.10) Para aderir ao SNHIS e receber
recursos é exigido do Município adesão ao SNHIS através de termo de adesão,
apresentação à CEF de lei ou projeto sobre criação de Fundo e Conselho de
Habitação de Interesse Social e a apresentação de Plano Habitacional de
Interesse Social - PLHIS.
A exigência do
PLHIS além de viabilizar a adesão municipal ao SNHIS permite um vislumbre das
carências habitacionais presentes naquele Município, bem como a melhor forma de
atuação para saná-las. É uma oportunidade de diagnosticar o cenário
habitacional do Municpio e tomar conhecimento de suas reais necessidades no
quesito moradia.
Trata-se de uma
medida de planejamento habitacional que
possui duas linhas programáticas: A integração de assentamentos
precários e informais e a produção e aquisição de habitação. Vê-se que é uma
política includente baseada no planejamento urbano e na gestão democrática.
O PHLIS
demonstra uma ação mobilizada, de articulação e intervenção pública no sentido
de combater o desenvolvimento urbano informal e propiciar condições de moradia
adequadas à população.
Em que pese as
limitações, não resta dúvida que os Municípios tem um papel fundamental no
enfrentamento dos problemas urbanísticos. Sendo a menor unidade política
administrativa, onde se configura com maior intensidade as atividades urbanas,
esse ente tem grande responsabilidade no tocante à sustentabilidade da cidade.
O Governo
Federal reconheceu o papel central dos Municípios e suas ações tem o sentido de
“apoiar, complementar e/ou suplementar
ação dos governos municipais, intervindo de forma mais direta, mas
sempre em parceria”. (FERNANDES, 2006, p. 314)
O PHLIS é um
exemplo de integração entre as esferas de governo, na qual o poder público
federal munido de melhores condições de promoção e liderança, otimizou os
resultados a serem alcançados no âmbito municipal.
A Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana criou um guia destinado
aos Municípios mineiros de como fazer um Plano Habitacional de interesse
Social, sendo de grande valia, já que muitos Municípios, devido às suas
condições estruturais, encontrariam problemas referentes à elaboração do plano.
O material
aborda desde os pontos conceituais até as ações estratégicas, numa ação
intergeracional baseada no planejamento. O intuito é localizar o problema,
apresentar soluções e captar recursos que
as viabilizem. “A conexão lógica entre problema e solução é o eixo
central a ser valorizado.” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p. 54)
Vale ressaltar
que essa iniciativa demonstra uma gestão democrática participativa, com forte
atuação em forma de parceira entre governo federal e municipal, bem como um
entrosamento entre os diferentes atores sociais no plano urbano.
Dentro da
proposta metodológica sugerida pela
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana – SEDRU-MG
consta a definição de um grupo de elaboração do plano que deve ser composto por
cinco atores sociais distintos, quais sejam: ator politico, ator comunitário,
ator habitacional, social e fiananceiro. Essa diversidade reflete uma
democratização no planejamento da cidade que permite a participação ativa do
ciadão no desenvolvimento urbano.
A noso ver o
PHLIS é uma medida que visa a resolução de déficit habitacional nos aspectos
qualitativos e quantitativos. Não obstante, existem criticas à adoção desse
sistema. Na afirmativa de OSÓRIO (2006, p. 37) “estudo recente do Banco
Interamericano de Desenvolvimento aponta que a solução do problema habitacional
por meio da provisão pública de moradia
de interesse social provou-se ineficiente.”
Na opinição da
autora acima mencionada, a tendência do
governo é priorizar o déficit quantitativo, oferecendo financiamentos e
subsídios que nem sempre são realmente acessíveis à população de baixa renda.
Em seu dizer falta “clarificação das obrigações do Estado” que deveria ser o
responsável em propiciar o direito humano fundamental à moradia.
Em que pese a
critica, entendemos que o PHLIS é uma medida de inserção da regularização
fundiária sustentável na agenda de ações politicas do Governo Federal. É
notável o afastamento da ideia inicial de regularização que cuidava em
titularizar o direito de propriedade. O proposto para o PHLIS é que seja
elaborado de forma a concliar os apectos juridicos, ambientais, urbanísticos e
sociais, captando através do diagnóstico habitacional as barreiras a serem
transpostas para assegurar aos cidadãos tanto o direito de moradia, quanto o
direito a uma moradia de qualidade, dotada de infraestrutura satisfatória e
ainda possibilidade de inserção à economia da cidade.
Fabiana Paiva - Advogada, pós graduada em Direito Ambiental, Mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG, sócia-proprietária em MASP Advogados.
fabianapaiva@maspadvogados.com.br